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A COR LOCAL

Uma história que não poderia não acontecer.  por Thiago Rocha

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Daniel Oliveira é seu nome. Aparecido. Também Aparecido é seu nome. Daniel Aparecido Oliveira, saberemos se adentrarmos em meios onde importa o nome do meio. Um nome, um nome do meio e um nome do fim parecidos aos de tantos brasileiros. Um nome completo bem brasileiro. Um nome completo de pistas que, como os nomes de tantos brasileiros, podem não levar para onde apontam. Daniel, vindo do hebraico, saberemos se adentrarmos em meios onde importa o hebraico, significa algo como “Deus é meu juiz”, mas expande-se para além dos hebreus; Aparecido faz pensar na Senhora que muitos de nós, brasileiros, muitos dos nossos, tratam, com intimidade, como Nossa; e Oliveira, como outros nomes de árvores que dão fruta, ramifica uma origem sefardita. Esses contornos etimológicos e genealógicos, termos que esclarecem pouco até para aqueles para quem esses termos importam, levam-nos a suspeitar que a história que fez nascer essa pessoa pode até fazer sentido, mas não faz apenas um – faz mais de um; e, se faz um sentido, é o de ser precisa e indefinivelmente isto: brasileiro.

Filho de uma história que não é só dele, filho de miscigenações de histórias que é a de tantos outros, filho de cores, matizes, peles e almas – brancas, indígenas, guaranis, negras – que constituem essa paleta que não se segura com apenas uma mão. Órfão de uma mãe viva, filho de uma mãe adotiva, como tantas crianças, de ricas a miseráveis, de privilegiadas a classemediadas, agarrou-se a um instrumento de evasão. A cor, local; a música, nem tanto?

Nascido em Itapira, crescido na Mogi-Mirim dos anos 80, um interior que, embora paulista, assemelha-se aos interiores reais, imaginários e idealizados, Daniel Oliveira, um artista da música criado por um ex-jogador de futebol, foi encontrar no instrumento que, empatado com todos os outros, é o mais brasileiro de todos: a clarineta – ou, em um termo tanto antiquado quanto contemporâneo, o clarinete. Presente na música negra americana e na música branca europeia, no jazz e no choro, nas bandas de New Orleans e nas orquestrações de Richard Wagner, nas Big Bands e nas fanfarras, tocado nos salões e nas salas, nas ruas e nos coretos, seja em pé, sentado, andando, marchando ou rolando na boca de um clown. O clarinete, irmão gêmeo univitelino da clarineta, é uma instituição multimusical a quem, saibamos ou não, estamos ligados.

Dessa história de vida que, com preguiça, poderíamos chamar de uma história de superação, e dessa relação com o instrumento que é pau-pra-toda-obra, erige-se Daniel. “A minha origem não é meu álibi; é minha força”, lembro – ou idealizo lembrar – ele dizer nos nossos tempos de convivas na moradia estudantil do Instituto de Artes da Unesp. Desde lá, músicos e caráteres em formação, os amigos sabiam que o Daniel brilharia nos palcos, solo ou solando, acompanhado ou acompanhando. O primeiro a acordar, o primeiro a ir dormir, não estudava, treinava, e treinava com a disciplina que aprendeu com o goleirão que só na vida que importa menos, a real, disputou posição com um grande goleiro que jogou na Seleção Brasileira.

Principal clarinetista da Orquestra do Theatro São Pedro, patrocinado pelas melhores marcas do instrumento, solista de inúmeras orquestras, doutorando pela USP, colega de profissão e de nível dos melhores clarinetistas do mundo, conselheiro da instituição responsável pelo Projeto Guri, editor e criador da Revista Clarineta, organizador de eventos… A lista é longa, longa… A lista é longa mas não cansa: orgulha.

Daniel Oliveira tinha tudo para não ser o que é e muito para ser o que não foi. Sob tantos aspectos tão brasileiros, é uma história que não deveria ter sido. Mas que foi. Daniel é do que o Brasil tem de melhor, e basta escutá-lo para sentir, no ato, que é uma história – e músico – que soa tão bem: soa (o) Brasil.

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